quinta-feira, 28 de novembro de 2019

vai longa a noite

vai longa a noite
e se eu pudesse dizer a essa nesga verde
de gente que ainda conserva algo de terno e puro
se eu pudesse abanar esses juncos moldáveis
tenros e inquebráveis

se soubessem esses mancebos
que vão ociosamente para o matadouro
e rebeldemente em manda se afastam do âmago de si mesmos...

sentir que os abraça a putrefacção
como mácula asquerosa

sai de mim em desespero
um quebrar gutural
como se de vós
sai-se um anjo para salvar a voz
de algum mal

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

a utopia feita verbo

às vezes fico indecisa se anseio pelo anseio
ou se a ansia de ansiar é só coisa de tolos

borboletas no estomago é uma coisa de acidez e de foro gástrico
nem mais nem menos

o resto que seja impulsivo não é mais que instinto resquício do que em mim é animal

há em mim ainda uma que sou eu que me luto dentro
e por fora sou luto resultado do tormento

há uma parte de mim que avassaladoramente me avassalou
e me tornou vassala... porém não sei se vá ou fique


tem de mim terra o que ainda te sirva

tem de mim vento o que ainda seja leve

tem de mim água apenas o que se dissolva

 e tu sol faz que de mim se dissipe o que de mim reste
nada do que de fora venho me acende a alma
esta já só aquecerá por dentro
não há canção, nem evento
que me faisque a vontade

era tão fácil ficar deslumbrada
e tudo muda à medida que a Terra se vai tornado ocre
e depois bafejada pela humidade e pelo húmus

quando voltar a magia será
apenas realidade
num pouco o que era tanto
se tudo for mais coeso se for concreto
se tudo for mais forte se for perto
a utopia feita verbo
submete-se ao risco do desencanto


Lúcia




sem fogo na madrugada

há muito que não visitas as salas vazias do teu intimo
sempre pensei que as chamas do fogo
fugazes ou intensas seriam
chamas sempre

apagou-se a lareira e já é tarde para voltar a tear fogo
em breve pretendo tombar e tomar o descanso

sentir sempre falta daquilo que nunca foi

um incompleto eterno

só pode estar na hora do desaconchego
e chegar finalmente onde me chego

saberás tu quando será a hora da chamada?

saberei eu saber quando for chegada
a hora que procuro que seja sem demora?

há momentos que me pareces parte do que é tudo
porque jamais será tudo apenas alguém
sabendo agora de antemão que o mar é grande e o infinito vai para além da imensidão

há momentos que me pareces ideal para caminhar a par
outros por mera volúpia percebo que te queria a chegar

não se coaduna já o corpo a uma alma tão arranjada e viçosa
talvez não
ou então chego apenas à conclusão que já caminho num só pé
desde o cume ao sopé ou simplesmente caminho sempre só e em pé
ou apenas com o que seja mais próximo e com toda a multidão

não vejo razão para voltar a reacender a lareira, vai longa a velada
já chega de prantos, de prados e trabalhos até longa madrugada.

Lúcia