domingo, 29 de dezembro de 2019

A rapariga que gostava de comboios

Pediu-lhe uma folha de rascunho, como quem precisava em desespero escrever.
Pediu-lhe uma folha de rascunho como quem pede um cigarro em desespero ou em desespero precisa de um beijo.
Pediu-lhe, por favor, uma folha de rascunho, porque era urgente ter algo mais que um guardanapo para escrever.
Pediu-lhe uma folha de rascunho como quem suplica que lhe acariciem o seio naquele exacto momento que tem necessidade de uma folha de papel para suspirar em letras húmidas palavras a tinta negras.
Pediu-lhe uma folha de rascunho e esperou. Enquanto, ele procurava desesperadamente uma folha de rascunho entre textos de estudos exactos e proficiente de coisas simples da vida, daqueles estudos que tentam enganar a verdade. Sob esses textos ela viu nas suas mãos uma necessidade de encontrar para ela uma folha de rascunho... podia ter dito apenas que não tinha folhas de rascunho,  mas ao invés procurou num tremulo imperceptível com a ânsia de quem quer saciar uma sede... e disfarça essa quase incapacidade.
Ela pediu-lhe por favor uma folha de papel de rascunho e ele precisava dar-lhe essa folha de papel.
Ele vasculhou todo o documento e ela esperou.
Ele encontrou uma contracapa, ela encontrou-o a ele que tinha uma folha de rascunho...
 e por instantes ambos quase saciavam a sua sede.
Lúcia

Ferrovia

Sabemos ambos meu amor que a frescura das flores ficou além, noutra estação.
Mas, porque não partimos por momentos numa viagem nova
que nos leve de nós
ou até nós, sem nós,
talvez, aí encontrássemos o nosso sítio e algo que seja quase o lugar.
Esse encontro geométrico sem consciência das linhas...
o lugar em que as condições sejam favoráveis,
ainda que porém descubramos que no final, e isso possa parecer cliché,
foi a própria viagem meu amor que nos preencheu de frescura e esperança.

da Lúcia