quinta-feira, 19 de setembro de 2019

cancelas

sopras como sopram os ventos na mudança de estação
um frio novo qualquer é sempre sinal de inverno

não vale a pena estancar as ribeiras
nem vedar as correntes

se forem sementes, hão de germinar
se for para crescer que seja para morrer
ou que venha a madurar

trazer-te a mim é fazer-te bem
não sei se te quero trazer, mas se estivesses era bom
ou talvez não… o vento traz frio às vezes… ou só é ar.

deixemos as portas abertas, só para o acaso 
ainda que seja o ocaso que acabe por entrar

nunca fui de não fazer por  temer entristecer


não te vou pedir que venhas, nem ponderar dar espaço ao desejo
deixemos apenas as portas abertas, só assim por acaso

caso venhas a querer entrar.

sem que te rendas

nunca lutei adversa a tristeza
só porque a tristeza não me atormenta
que não seja hoje assim
ai de mim se não deixasse ter em mim dentro o que de mim sempre foi meu

sobre este mundo urticante
nunca me confortou abraço nem amante
secou de dentro a cascata de música

sem que se espere que venha de fora sopro salvador  
deixo-me regressar para que me possa deitar 
sem que a tristeza me amedronte

sem que se tema o crepúsculo no horizonte

capricho e cinismo

algo me diz que preciso beijar-te
como o lápis beija a folha 

beijo-te então
porque te procuras fazer estar
não te conformas que te ausente

ambos sabemos é capricho
é tecnicismo da vontade obstinada de te fazeres beijar

perdi a vontade de te fazer vontade na insistência

caprichos rebentam como as lêndeas

liquefazem a vontade de oscular

somnus

na noite o menino procura a mãe no seio do seu saber
procura em mim o sono o refúgio da sua vida
como se eu fosse o corpo da sua guarida

e nesse momento crepuscular procuro colmatar com o músculo o cavernoso lugar
mas é um sagaz instante

recaio como o mundo fosse o leito 
como deita seu corpo a serra estendendo os membros sobre as ancas
há no seu dorso estórias, tantas, entre indiferenças e semelhanças,
adormeço
a erosão é tempo e sabedoria

há um momento certo para se ser

é o momento desde o nascer

nesga verde

Fui ali buscar-me, num derradeiro momento.
sentei sobre um ombro de rocha e sob uma nesga de verde no horizonte.
Ah, como estou farta dali! 
Vim aqui buscar-me num pouco de resquício de quase de mim.
Há quanto tempo não me sussurras…
 prosa vazia de sonhos quase me matam a convicção.
Ah como temia os lodos, os engodos e os tolos.


Voa águia, endireita a quilha sacode as asas.


Quanto do meu caminho me deixou memória e tempo
quanto do meu caminho tornou firme o firmamento
quanto do meu caminho me fez pedra e calçada
quanto do meu caminho é hodierno na batalha


secaram-me as palavras ainda sem frutos
mas dentro de mim sei eu que tenho rebentos


não há noite, nem dono que se tema nem temia

temor só do sono que é doce crepúsculo na labuta de qualquer dia

Lúcia