segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Uma questão de arte e artistas



Um bom artista… ora um bom artista é aquele que é genial! Não basta só ter um grupo de amigos, familiares ou meia dúzia daqueles que nos são próximos a dizer que gostaram… ao invés, a história reza que os grandes artistas eram seres mal-amados na própria terra, na própria família… às vezes acho que precisamente por serem tão geniais, tão diferentes e tão originais.
Eu gosto de me encontrar com arte que me faça aprender, que me provoque emoções… que tenha um efeito, sei lá no limiar do orgásmico-intelectual. Sim é isso, ora nem mais! Portanto um artista tem que ser, tal como um bom amante, generoso, tem que dar. Sim o artista tem que ter imenso para poder dar desinteressadamente e o ideal é que dê por gosto, e dar seja para si mesmo um ato de amor e prazer, que dar não implique esforço da sua parte e que ultrapasse para além daquilo que é uma tendência natural de si mesmo, que seja como disse antes, um ato de prazer para o artista. Mas, o ideal seria o orgasmo simultâneo: o artista dar e isso constituir um ato de prazer para si mesmo e por acaso causar nos outros também tão grande efeito prazeroso.
Qualquer um pode ser um artista desde que consiga ser genial.
Qualquer um pode ser genial desde que tenha algo para dar aos outros. Qualquer um pode dar aos outros desde que vá até ao limite de si mesmo.
Às vezes as pessoas não gostam do que temos para dar, outras vezes gostam. Mas o artista não tem por fim agradar, o artista tem por fim: Ser. O artista tem por obrigação: Ser.
O artista é um atleta das criações, ele cria e aposta na sua capacidade de criar. Ao criar ele quebra a barreira do possível… não, não o artista não é um atleta, porque o atleta pratica esforça-se acredita e então consegue colocar o corpo a fazer algo genial… mas só se ele praticou e foi capaz de ultrapassar e romper aquela barreira em que depois da exaustão é capaz de fazer um pouco mais… aquele mais que o vai fazer ganhar… mas o artista é o ser que não treina… é o ser que põe tudo o que tem no momento que cria e quando o faz ultrapassa essa barreira do possível. Ele torna possível o que não existe.
Por isso, eu gosto de me encher das sensações que o artista me provoca.
Gaudí recriou a natureza das coisas em edificações, procurou a matemática nas plantas e nas conchas e recriou Deus numa catedral.
Nadir dizia qualquer coisa como “o artista não foge da matemática, mas que ele procura a matemática no que faz”.
Será? Não tenho muito presentes as operações da matemática, confesso, mas estou ciente que o artista quando cria torna real e acessível um mundo para lá do mundo. O artista materializa o irreal e por vezes pode comunica-lo! E às vezes, ao comunicar esse mundo irreal, que é algo do seu mundo, encontra irmãos de alma!
E quantas vezes esse necessidade de criar é no fundo a necessidade de comunicar … e comunicamos para não estarmos sós.
Às vezes à criações inquietantes… o artista coloca esforço na técnica para recriar o seu mundo, mas é um esforço em que o prazer supera a angustia e a dor… o objetivo do artista é tornar imponente a sua criação e fazê-la visível, perdurável até que chegue a sua alma gémea que a irá ler, decifrar, entender…  e ainda que muitas vezes me depare com obras que me provocam na alma uma inquietação quase angustiante: “porque fez isto? O que queria dizer? Diz-me, o que sentias? Que dor tão grande te fazia sofrer? Oh se eu pudesse estar lá…” quantas vezes já me coloquei essas questões?! Aos quinze anos, quando li algo de Antero de Quental, quando li Florbela Espanca, quando li Pessoa, quando via as Covas de Altamira… o que querias dizer? Esses mamíferos imponentes pintados no teto, sinto força, sinto vigor… quero tocar as pinturas porque quase que os consigo ver, são quase reais e quase que me consigo transportar para esse momento e sentir a manada viva!
E quando vejo aquela pintura de “Saturno devorando um filho”, de Goya – sinto o asco, nojo, a inveja e o medo e mesquinhez nos olhos do monstro que quase se esconde e encolhe enquanto devora os pequenos corpos… faz-me lembrar um babuíno que se esconde num canto a comer pequenos frutos que tirou furtivamente algures.
E quando oiço, por exemplo “Devenir” de Ludovico Einaudi … sinto que sou uma borboleta que se ergue do casulo e abre as asas…
E às vezes… às vezes encontro-me com o artista, mas nem é esse o objetivo. Não me importa realmente ter conhecido em pessoa Florbela Espanca ou Fernando Pessoa, nem tenho como objetivo encetar uma relação pessoal com qualquer pintor atual de quem goste do trabalho… deles só conheço a obra, ou aquela obra que corresponde aquele momento de criação. A obra deles, não só me permite encontrar uma parte deles e dialogar esse pequeno momento em que me encontro com artista, nesse instante que leio a sua criação, como me permite encontrar com outros seres que se transportam para a mesma dimensão que eu, quando interpretamos a obra da mesma forma…  “Lembraste amor, quando ouvimos aquela musica e só nós os dois sabíamos porque nos riamos?”
Nós apropriamo-nos às vezes das obras e das criações e usámo-las para dizer outras coisas.
O artista tem que ser generoso, quando cria sabe que se sujeita ao facto de que a realidade que criou já não lhe pertence. As criações, são os filhos que nunca lhe pertencem.

Lúcia Cunha


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