sentarmos nos rochedos e forçarmos palavras bonitas
não será para nós
procuro recordar o que de ti me fez ver em ti
podíamos ter nascido num dia que nunca mais voltasse a ser
sinto que já fui água, égua, árvore
e tudo o que foi fica a uma légua
não, não é culpa de ter querido ser livre
égua sem amo, água sem rio, árvore sem raiz...
culpa minha de não ter cuidado com cuidado a água que me faz corpo,
a não ser suposto ser um corpo frágil,
era suposto ser um ser mutável
e seguir árvore, ser... depois de cinza...
talvez venha a ser um dia
depois de morrer
ainda vida que não vivi?
porque nos falham as entranhas quando a alma ainda teima a ser infinita?
mas porque sinto esta lamuria que me acompanha de sempre
e eu sempre a contraria-la
e pesa todos os pesares me acompanha?
não era já tempo
de não sentir lamento?
de aceitar o fardo de me habituar?
ou então de já ter lutado e de o ter atirado para outro lugar?
sentarmos nos rochedos e forçarmos palavras bonitas
não será para nós
procuro recordar o que de ti me fez ver em ti
o resto do mundo que não vi
Lúcia Cunha
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