sábado, 29 de fevereiro de 2020

os rochedos

sentarmos nos rochedos e forçarmos palavras bonitas
não será para nós
procuro recordar o que de ti me fez ver em ti


podíamos ter nascido num dia que nunca mais voltasse a ser
sinto que já fui água, égua, árvore
e tudo o que foi fica a uma légua

não, não é culpa de ter querido ser livre
égua sem amo, água sem rio, árvore sem raiz...
culpa minha de não ter cuidado com cuidado a água que me faz corpo,
a não ser suposto ser um corpo frágil,
era suposto ser um ser mutável
e seguir árvore, ser... depois de cinza...
talvez venha a ser um dia
depois de morrer
ainda vida que não vivi?

porque nos falham as entranhas quando a alma ainda teima a ser infinita?
 mas porque sinto esta lamuria que me acompanha de sempre
e eu sempre a contraria-la
e pesa todos os pesares me acompanha?
não era já tempo
de não sentir lamento?
de aceitar o fardo de me habituar?
ou então de já ter lutado e de o ter atirado para outro lugar?

sentarmos nos rochedos e forçarmos palavras bonitas
não será para nós
procuro recordar o que de ti me fez ver em ti
o resto do mundo que não vi

Lúcia Cunha


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