segunda-feira, 17 de novembro de 2014

O caçador e a perdiz




Nua na noite escura. Resplandece a luz de dentro e parece que apaziguou o mau tempo.

Está frio mas a tarde é soalheira. Persegues-me no mato com passo firme. Qual cavalheiro, soldado, guerreiro. És o meu gladiador, soldado romano… és o que for…

Nua, esvoaço nobre com minha veste pobre de perdiz. Há urzes já um pouco fustigadas e tanta outra vegetação na mesma condição. Oiço o teu crac, crac do pisar forte e determinado. Persegues-me. Não te confundes com a natureza, diferenciaste com o frio e feio do teu camuflado.

Persegues-me e até quem não soubesse pensaria que vais com ar desinteressado. Mas eu sei-te determinado, insistente sempre que me vês forte e feliz e plumagem lustrosa – sou a tua ave pequena perdiz.

Nua, levanto voo rasteiro e um impulso tremendo faz-me subir com alento até ao cume arborizado. Tu com cabelo de sol doirado e com esse ar sorridente, és leve no trato tens passo determinado e podias ter porte afidalgado se fosses só um pouco diferente…. e de repente tens-me na mira.

Olhas-me nos olhos: meus olhos baços confusos e claros com névoas e castanhos de perdiz, meu olhar cor de cristal deformado contaminado, quartzo citrino, raio de luz refratado, quartzo fumado…  e vês que te vejo na alma e te atinjo com a tua dor como quem te fere com uma bala.

Eu sou perdiz e tu caçador.

E sentes angústia, repulsa… apetece-te chorar. É a culpa. Talvez me venhas outra vez caçar.

Vens desde os ecos dos tempos das origens iniciais perseguindo os sinais… vens uma e outra e outra vez procurar-me e matar-me.


Só Minha ( e dela),

Lúcia

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