segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Os Tigres e os homens



Um dia, acabaram-se as metáforas e só me restava manda-los para a puta que os pariu.
Um dia, já tinham sido tantas as agressões à razão e ao respeito pela ordem natural das coisas e à própria dignidade da espécie, que só me restava mandá-los para a puta que os pariu.
Então estanquei-me. Sentei-me e observei o lodo: imundo e putrefacto. Deixei de vomitar, perdi o olfato.
Vai ter que ficar para outra vez, talvez.

O tigre recolheu sozinho à guarida. Esperou pelas forças para voltar em busca de água e comida.
Não te espantes que algum caçador sem honra e sem escrúpulos abata assim o animal.
Onde vês, tu, proeza em tal façanha? Matar o último animal magnifico assim nascido com dons de beleza e força apenas por obra da natureza.
O animal deitou-se no fresco da gruta, não por medo, mas por cansaço, e agora suspira.
Nunca ninguém lhe veio amenizar as intempéries da vida sem o querer por em cativeiro. Nunca ninguém lhe veio sarar as doenças sem esperar que o animal amansasse a sua natureza. Alguém entenderá que o tigre é belo assim vivo, livre no seu instinto e na sua natureza?
Grande serias se um dia comunicasses com ele. Mas, tu, nunca serias capaz disso. Haverias querer ensinar signos e sons abstratos ao tigre, coisas ridículas dos homens, ao que chamam linguagem e ainda não satisfeito com a palhaçada, haverias querer que ele ouvisse e lesse as tantas outras coisas sábias, de homens, que não tem utilidade nenhuma, nem servem aos tigres, nem aos homens e não passam apenas de caminhos em círculos, em torno de egos sobre si próprios. Havias querer que o tigre pronunciasse o teu nome, as tuas palavras e, imagina, que o tigre te admirasse! A ti. Alguma vez haveria o Sol de adorar os homens?
Experimenta ser o tigre, e as aves, e a chuva, e simplesmente uma pedra na humildade de pedra e na persistência de ser pedra, apenas para ser, imóvel, persistente no propósito de pedra, haverás de ser tudo o que é preciso que sejas se cumprires com devoção e serenidade o teu desígnio de ser. Alguma vez viste a pedra acenar espampanante a dizer “eu sou pedra, eu sou pedra!” E às vezes há pedras que brilham, e outras aparentemente baças e escuras que são adoradas e outras são apenas pedradas... e têm tantas e imensas funções.
Eu, não gosto de gente ruidosa, reservo-me o direito de ser silêncio, de ser pedra, ser tigre de ser o que eu quiser.



 
Não há tigres
O último tigre barão jovem e saudável
Foi abatido ontem
O espécime pesava e media

Consta que o caçador era um homenzinho rechonchudo careca
Sabemos que era do sexo masculino porque apresentava um pequeno pénis enrugado
Por de baixo da barriga balofa
Sabe-se de fonte segura que o homenzinho nunca foi amado nem nunca conheceu a mãe
As autoridades tentam descobrir o motivo do crime
Mas está confirmado que o homenzinho atirou e abateu o tigre
Antes de, ele próprio, morrer afogado em vómito e excremento


Lembramos agora a beleza do tigre
Façamos agora um momento de silêncio.

E no silêncio chorei a morte do tigre
Mas fui feliz por sabê-lo livre dos homens
E na memória dos Deuses
Tocamos as almas com os olhares
Eu vi-o.
E ele... ele seguiu o seu caminho e eu aprendi a seguir o meu.
Às vezes sou tigre
às vezes vento
às vezes água
O que importa é que nunca se morre quando se é de verdade.




Vejo de longe os animais
Para não lhe sentir o sofrimento.
A terra geme com febre,

Em breve entra em convulsão.

Não posso fazer nada,
A inteligência dita a retirada.
Tentar agora era ser levada.

A quantas manhãs importas, e a quantas terras e madrugadas?

Se lamento não ter salvo o mundo?
Não era obra de um só Homem,
Eram precisos mais nessa batalha.

Não estaria certa, se não fui escutada.
Ou a orelha mal preparada!
E, em vez de som, libertei apenas a trovoada...

Porque ardem em chama os rios?
E dizem eles que é coisa assim,
Se não entendo é mal que vem de mim.
Que importa se apenas for um a falar?
Ainda que ele tenha razão,
Só se muda o rumo se for uma multidão.

A sombra dos Oásis




Já passaram muitas batalhas, mas agora não sinto vontade de lutar. Se tivéssemos uma casinha qualquer no ermo monte e descampado a ouvir as aves ao longe e o vento a soprar... apenas isso e chorar. Uma enorme vontade de chorar até ao final, até esvaziar por completo essa dor, essa humilhação que trespassa as paredes do tempo.

Mas, vejamos, vamos por partes. Para encontrares a saída, admite de uma vez: tu tens brilho e terás brilho até seres velhinha. Como têm os animais selvagens que até depois de extintos conservam na memória dos homens toda a grandeza e esplendor.
Já viste que não haverá na memória coletiva lembrança do caçador, a não ser a de um ser vil que destruiu até à última cada peça de caça? Que mérito há em perseguir e matar com artefactos sofisticados animais belos e lendários?
Grande, seria o homem que com audácia inteligência e sensibilidade conseguisse cativar os olhos da presa, ou pudesse curar as suas feridas, apenas pelo prazer de o ver de novo correr na savana com sua majestosa beleza.


Tens algo dentro de ti?
Não sei. Nem me importa. Se a tantos lhe importasse eu como me importa a mim coisa nenhuma seria tudo muito mais equilibrado.
Não sabes o que é “Amor”
E o céu está cansado


 Ficaria aqui
O resto da vida
A beber água das fontes e na sombra destes montes
Ficaria aqui o resto da vida
E desejaria que o resto fosse grande e infinito
Para poder beber do som destas águas
E ouvir das frescas sobras as aves
Este oásis foi feito para nós e para o nosso repouso

Este oásis foi feito para guardar o segredo do nosso tesouro

Achas mesmo que alguém quer saber?
Achas mesmo que alguém se importa com o teu choro
Achas realmente que alguém está interessado em curar feridas de pássaros que não faria cativos?

Achas que um dia vamos encontrar o paraíso minha ave pequenina?