Um
bom artista… ora um bom artista é aquele que é genial! Não basta só ter um
grupo de amigos, familiares ou meia dúzia daqueles que nos são próximos a dizer
que gostaram… ao invés, a história reza que os grandes artistas eram seres mal-amados na própria terra, na própria
família… às vezes acho que precisamente por serem tão geniais, tão diferentes e tão
originais.
Eu
gosto de me encontrar com arte que me faça aprender, que me provoque emoções…
que tenha um efeito, sei lá no limiar do orgásmico-intelectual.
Sim é isso, ora nem mais! Portanto um artista tem que ser, tal como um bom
amante, generoso, tem que dar. Sim o artista tem que ter imenso para poder dar
desinteressadamente e o ideal é que dê por gosto, e dar seja para si mesmo um
ato de amor e prazer, que dar não implique esforço da sua parte e que
ultrapasse para além daquilo que é uma tendência natural de si mesmo, que seja
como disse antes, um ato de prazer para o artista. Mas, o ideal seria o orgasmo
simultâneo: o artista dar e isso constituir um ato de prazer para si mesmo e
por acaso causar nos outros também tão grande efeito prazeroso.
Qualquer
um pode ser um artista desde que consiga ser genial.
Qualquer
um pode ser genial desde que tenha algo para dar aos outros. Qualquer um pode
dar aos outros desde que vá até ao limite de si mesmo.
Às
vezes as pessoas não gostam do que temos para dar, outras vezes gostam. Mas o
artista não tem por fim agradar, o artista tem por fim: Ser. O artista tem por
obrigação: Ser.
O
artista é um atleta das criações, ele cria e aposta na sua capacidade de criar.
Ao criar ele quebra a barreira do possível… não, não o artista não é um atleta,
porque o atleta pratica esforça-se acredita e então consegue colocar o corpo a
fazer algo genial… mas só se ele praticou e foi capaz de ultrapassar e romper
aquela barreira em que depois da exaustão é capaz de fazer um pouco mais…
aquele mais que o vai fazer ganhar… mas o artista é o ser que não treina… é o
ser que põe tudo o que tem no momento que cria e quando o faz ultrapassa essa
barreira do possível. Ele torna possível o que não existe.
Por
isso, eu gosto de me encher das sensações que o artista me provoca.
Gaudí
recriou a natureza das coisas em edificações, procurou a matemática nas plantas
e nas conchas e recriou Deus numa catedral.
Nadir
dizia qualquer coisa como “o artista não foge da matemática, mas que ele
procura a matemática no que faz”.
Será?
Não tenho muito presentes as operações da matemática, confesso, mas estou
ciente que o artista quando cria torna real e acessível um mundo para lá do
mundo. O artista materializa o irreal e por vezes pode comunica-lo! E às vezes,
ao comunicar esse mundo irreal, que é algo do seu mundo, encontra irmãos de
alma!
E
quantas vezes esse necessidade de criar é no fundo a necessidade de comunicar …
e comunicamos para não estarmos sós.
Às
vezes à criações inquietantes… o artista coloca esforço na técnica para recriar
o seu mundo, mas é um esforço em que o prazer supera a angustia e a dor… o
objetivo do artista é tornar imponente a sua criação e fazê-la visível,
perdurável até que chegue a sua alma gémea que a irá ler, decifrar,
entender… e ainda que muitas vezes me
depare com obras que me provocam na alma uma inquietação quase angustiante:
“porque fez isto? O que queria dizer? Diz-me, o que sentias? Que dor tão grande
te fazia sofrer? Oh se eu pudesse estar lá…” quantas vezes já me coloquei essas
questões?! Aos quinze anos, quando li algo de Antero de Quental, quando li
Florbela Espanca, quando li Pessoa, quando via as Covas de Altamira… o que
querias dizer? Esses mamíferos imponentes pintados no teto, sinto força, sinto
vigor… quero tocar as pinturas porque quase que os consigo ver, são quase reais
e quase que me consigo transportar para esse momento e sentir a manada viva!
E
quando vejo aquela pintura de “Saturno devorando um filho”, de Goya – sinto o
asco, nojo, a inveja e o medo e mesquinhez nos olhos do monstro que quase se
esconde e encolhe enquanto devora os pequenos corpos… faz-me lembrar um babuíno
que se esconde num canto a comer pequenos frutos que tirou furtivamente
algures.
E
quando oiço, por exemplo “Devenir” de Ludovico Einaudi … sinto que sou uma
borboleta que se ergue do casulo e abre as asas…
E
às vezes… às vezes encontro-me com o artista, mas nem é esse o objetivo. Não me
importa realmente ter conhecido em pessoa Florbela Espanca ou Fernando Pessoa,
nem tenho como objetivo encetar uma relação pessoal com qualquer pintor atual
de quem goste do trabalho… deles só conheço a obra, ou aquela obra que
corresponde aquele momento de criação. A obra deles, não só me permite
encontrar uma parte deles e dialogar esse pequeno momento em que me encontro
com artista, nesse instante que leio a sua criação, como me permite encontrar
com outros seres que se transportam para a mesma dimensão que eu, quando
interpretamos a obra da mesma forma…
“Lembraste amor, quando ouvimos aquela musica e só nós os dois sabíamos
porque nos riamos?”
Nós apropriamo-nos às vezes das obras e das criações e usámo-las para dizer outras
coisas.
O
artista tem que ser generoso, quando cria sabe que se sujeita ao facto de que a
realidade que criou já não lhe pertence. As criações, são os filhos que nunca
lhe pertencem.
Lúcia Cunha