domingo, 31 de julho de 2022

à espera de ser II

 

Perdeste os dias na espera

Como se a paciência fosse virtude

Perdeste os dias na obediência de bom soldado

Convencido que a coragem dos bravos se mede pela retidão

Certo que a retidão é um sentido único e numa só direção

Bebeste os dogmas em vez de beber da água das minhas palavras

Ó soldado corpo

Ó soldado carne

Ó solado gado

 

Despojaste-te de ti à merce de uma cantiga

Que te trazia tranquilidade e segurança

São tão previsíveis e confortáveis as paredes regras.

 

Aprendeste a recusar beber a liberdade do doce mamilo intempestivo da paz

Porque trazia cheiros diversos, cores de todas a notas

Numa idiossincrasia…

E é tão longe o infinito

E difícil decifrar teias ardilosas da vida

a mutabilidade do diverso, da evolução

Entrar nas entranhas da mudança

E encarar-se nas entranhas em mudança

Ah essa revolução de dentro contida

Com espasmos involuntários

Dolorosa precipitação de prazer,

Ah o vazio a desorientação.

Como é difícil seres parido de novo todos os dias

Dentro e fora da gruta húmida e deleitosa

Ah a solidão!


A Lúcia

à espera de ser I

 

Onde está a montanha e os seus rochedos

Quando vierem as águias e os medos

E os ratinhos amedrontados

Morrem os cisnes afogados

E os demais bichos e animais emplumados

Ah esse subtil desdém prenho de vaidade

 

A quantos versos estou das trompetes

A quantos aís estou do suspiro final

Em quantos bater de asas morrem as borboletas

 

Ainda me falta a primavera

 

E esperas pela manhã para ser

 

Quantas horas ainda demoras

Para sentires o que podes ter

 

Mergulho

No silêncio de uma tarde

Emersa

A água abafa o ruído

E por uma vez

Tudo poderia deixar de ser

Mergulho a alma na volúpia dos nossos corpos

Por um tempo indeterminado paro,

E fluo no interior do novelo quente de prazer

Dentro de mim

Há um universo

E eu não sou capaz de lhe dar lugar cá fora

Preciso da pastora de astros

Que me ensine a transumar a minha alma

Dentro de mim ainda há um mar que não mostrei

Há ainda tanto que tenho a aprender…

 

E quanto poderia valer ao mundo todo o mar que escondemos em nós?

E o esquadrão das águias vai cobrir os céus,

E cuspir fogo - sem que os bichos tenham intensão.

E eu, não fiz nada, e tinha um rio dentro de mim.


A Lúcia

 

asas no deserto

 Nasceste para voar

cuida das tuas asas

tu nasceste para fazer nuvens 

e pra trazer vento

sopra


oh meu amor sopra

leva para longe o mau momento


todas as dores apertam 

esmagam 

pequenez


transforma  pequenez pequena


senhor

onde me escutas agora?

há dias de deserto insuportáveis

tenho-te na beleza árida da solidão

é na tua incorporação carnal que te perdes em ausência


senhor

a onde me empurram as horas 

que fazem perder os dias 

presentes no olhar que trago


 A Lúcia