Há dias, que é impossível
fingir-me de morta.
Sabem como é? Sabem quando vemos
a injustiça, a estupidez, as aberrações… mas vamos aguentando e fazendo de
conta que não é connosco, ou que podemos realmente lutar por “um mundo melhor”
mas pacificamente, com a nossa tolerância, com a nossa consistência de valores,
com a nossa coerência… mas vamos fingindo de mortos, até por uma questão de
sobrevivência como faz o opossum, a cobra-de-água e outros bichos.
Mas, chega um dia e é impossível
aguentar mais! Porque afinal aquilo é um insulto à inteligência! É um insulto à
dignidade! Sim, acima de tudo à dignidade. Afinal, somos livres ou somos
escravos? Às vezes oiço relatos que me parecem surreais, e depois chego à
conclusão que realmente estamos sujeitos a essa condição, uns de forma mais
explícita que outros, uns em maior escala que outros, mas todos sob o jugo da
escravatura.
Dizia uma pessoa amiga: “Andaram
a ver quantas unidades produzíamos em x minutos, fizeram as contas e ao fim do
dia teríamos que ter y unidades”. A este ponto da conversa comecei a sentir um
leve refluxo e algo se desestabilizou em mim. A minha amiga prosseguiu. “Ao fim
de n tempo verificaram que não estavam produzidas as unidades que esperavam e
perguntaram o que andei a fazer?”
Alguém, por favor, com
discernimento suficiente consegue ver o absurdo da situação? Peço desculpa, mas
falta-me a eloquência suficiente para redigir de forma garbosa algo tão grave!
Os sentimentos imiscuem-se com o
raciocínio e torna-se difícil escrever de forma objetiva, apontando as
premissas corretas, alinhando-as com a dedução lógica e de forma a apresentar a
explicação e a argumentação, que neste caso deveria chegar até aos asnos! Mas
os asnos nunca vão aprender, na verdade foram escolhidos asnos para dirigir os
escravos, porque asno que é asno não questiona, regurgita ordens, ideias, e até
os próprios silogismos. Asno que é asno não pensa, é acrítico, reproduz e por
isso ocupa um lugar de relevo. Mas, no fundo é apenas mais um escravo com um pouco
de mais liberdade. Normalmente, os animais domésticos que já não fogem, são
deixados à solta! As bestas novas, com maior vigor têm que ser amarradas, isso
no campo faz-se, fazia-se com as cordas, com as peias… uma vez um agricultar
peou as cabras, para que não corressem tanto… um dia o rebanho ficou manso e
velho e as cabras seguiam o pastor… Não! Não, a história foi diferente, a
verdade é que as cabras continuaram a fugir e a dar trabalho ao pastor – é que
faz parte da natureza das cabras questionar e escolher os próprios pastos, se o
pastor não for suficientemente inteligente para respeitar e amar a natureza das
cabras… está tramado! Por isso, um dia o homem vendeu-as e desfez-se do
rebanho!
Se este homem amasse e
respeitasse a natureza das cabras fá-las-ia felizes e seria capaz de tirar
proveito do seu potencial natural, sem com isso ter que as dominar, amarrar,
explorar!
Mas homem queria ficar poderoso e
para isso, achava ele que precisa de manter todos sobre sofrimento e assim
dominaria. O senhor do mundo!
Quando te peço para me deixares
respirar e tu me abafas, tu crês ilusoriamente que és o dono da minha vida e
podes decidir matar ou deixar viver. Mas não é assim. Se me amasses terias o
dom de me ver viver, admirar-te e… livremente escolher servir-te! Porque até as
cabras precisam de pastores! Até os cavalos selvagens se encanto pelos homens
grandes! Ah! e quando amamos, somos capazes de coisas extraordinárias por
amor!
Imagina, meu grandíssimo asno, eu
até acho que até eu faria mais unidades que aquelas que precisas e em menos
tempo! Eu, até te daria uma ideia de como deverias dirigir, gerir este nosso
reino onde tu mereces ser o rei, o senhor, o líder… porque nos amas, nos cuidas
e nos admiras!
No fundo é tão simples… os
escravos chicoteados morrem! Ninguém rende igual sempre… nem as máquinas são
infalíveis, ao fim de x km é preciso mudar o óleo, os pneus, os filtros de ar…
e os carros com o tempo deixam de ser tão rentáveis. Até eu que não sei nada de
máquinas nem de manutenção, sei que há desgaste. Mas é melhor não continuar com
esta alegoria… não vá o diabo tece-las e o Asno vir com ideias!
Não há nada melhor que ver um
espetáculo de feras em que não há “domador”! Eu no circo, gosto dos
encantadores de animais, aqueles que tem uma relação de tão grande respeito e
amor com o outro ser que até são capazes de comunicar com ele. Sim, é isso,
comunicar com um ser diferente, isso sim é um dom!
Eu gostava realmente ser explícita,
e apontar friamente o dedo ao problema, localiza-lo temporalmente e espacialmente,
chamar os nomes corretos às coisas… Mas, apenas me consegui comunicar em
profundidade com as cabras do meu rebanho e isso já foi há algum tempo.
Lembro-me de cada uma delas como se de uma amiga se tratasse… é mentira que não
tive ou não tenho amigas, mas a verdade salvo raras exceções, essa dúzia de
animais constituíram a minha mais forte rede de suporte social, que nada deixa
a desejar à atual, verdade seja dita! Para dizer a verdade eu gosto de me
rodear por quem tem esta capacidade de escolher os próprios pastos e fazer as
próprias conjeturas!
Mas, voltando à vontade que me
assola no momento, eu gostava de ser mais explicita, mas a miscelândia de
emoções e o próprio refluxo causado pelo relato impedem-me… e no fundo… às
vezes também me sinto peada, uma peia que já não é interna, mas externa…
invisível, mas presente… é como o arame elétrico (o pastor elétrico) que se
coloca nas sebes depois basta colocar um baraço e o gado acredita que se lhe
tocar vai receber uma descarga… eu de vez enquanto gosto de o desafiar e lá vou
eu levando uns choques aqui e alí. Outras vezes o pastor opta por não me dar
importância, mas dá… porque não me deixa ir onde eu quero! Continuo presa entre
as sebes.
E o Asno, disse: “Já viu, você é
que tirou o curso, mas é a mim que me chamam doutor.”
E era uma vez o Sr Doutor Asno,
Que fazia contas de cabeça
E fazia de contas
que tinha essa.
E era uma vez o sr Doutor Asno
Que por ser asno o diabo deu-lhe poder
Sabia bem o Asno que se d’ali fugisse se iria perder
E era uma vez o Sr Dr Asno que para além de burro
Também era escravo de quem lhe dava de comer.
Lúcia Cunha
Muito bom! E muito bem escrito! É um alívio para a alma ler um texto tão bem escrito e tão claro.
ResponderEliminarMuito bonito também.
Olá Elisabete,
Eliminarfico feliz pela tua reacção, pois é realmente isso que eu desejo. Provocar sensações positiva é na verdade a única intencionalidade da partilha do que escrevo... se não limitava-me a ter um diário, e esses não se partilham.
Parabén Lúcia, adorei muuuuuuuuuuuuuito bom! Vou seguir!
ResponderEliminarOlá,
Eliminareu é que fico grata que tenhas lido e feliz que tenhas gostado.
Oxalá consiga ter sempre um impacto bom no teu ânimo.