terça-feira, 10 de novembro de 2020

Envelope

 envelope

sou um envelope, fechado, selado


tenho saudades de quando me dizias que as minhas letras tinham musica.

um envelope fechada

é confortável


tenho saudades de excitação 

dos ventos

tenho saudades dos maus momentos

não de agora, de outros tempos


saudades amor

a melancolia que se enraíza

essa que te afasta de mim

essa que me manda procurar outro sítio

outro 

outro qualquer que nunca sei onde

e fecho

selado

um envelope

sem carta, que atiro e vai para nenhum lado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Leitura incompleta

 

Como podes abandonar teu livro

De suas páginas despido

Sem aas caricias dos teus beijos

Sem os queixumes sob teus dedos

Tocando nos sítios certos das páginas

 

Como podes deixar de lhe tocar e de ler seus segredos

Hirtos tesos sem medos

Como podes abandonar-me a meio

Sem constrangimento sem receio

De perderes uma boa leitura

Até ao seu ponto final?


A Lúcia 

 

sábado, 29 de fevereiro de 2020

fraga que fraturou e ficou quebrada

conheci uma fraga que fraturou e ficou quebrada
era uma fraga rija
mas de rígida e sólida não passava

fiquei aborrecida com a fratura
que julgo resultou de uma pancada
(e dizem que o amor vence tudo, mentira,
 o ódio dá uma dor danada!)

Talvez uma fraga deteriorada não seja uma rocha vencida
seja antes de mais nada
uma rocha transformada
onde podem crescer ainda
giestas flores... e vida.

Lúcia Cunha

os rochedos

sentarmos nos rochedos e forçarmos palavras bonitas
não será para nós
procuro recordar o que de ti me fez ver em ti


podíamos ter nascido num dia que nunca mais voltasse a ser
sinto que já fui água, égua, árvore
e tudo o que foi fica a uma légua

não, não é culpa de ter querido ser livre
égua sem amo, água sem rio, árvore sem raiz...
culpa minha de não ter cuidado com cuidado a água que me faz corpo,
a não ser suposto ser um corpo frágil,
era suposto ser um ser mutável
e seguir árvore, ser... depois de cinza...
talvez venha a ser um dia
depois de morrer
ainda vida que não vivi?

porque nos falham as entranhas quando a alma ainda teima a ser infinita?
 mas porque sinto esta lamuria que me acompanha de sempre
e eu sempre a contraria-la
e pesa todos os pesares me acompanha?
não era já tempo
de não sentir lamento?
de aceitar o fardo de me habituar?
ou então de já ter lutado e de o ter atirado para outro lugar?

sentarmos nos rochedos e forçarmos palavras bonitas
não será para nós
procuro recordar o que de ti me fez ver em ti
o resto do mundo que não vi

Lúcia Cunha


quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

a noite fartou-se de mim e mandou-me deitar

a noite fartou-se de mim e mandou-me deitar

vejo-te longe
numa nesga de ecrã e pareces pequeno, mais que o habitual
e eu sei-te grande
ou sinto-te?

a intensidade do ruído a pressão metálica e barulhenta das coisas faz fracos os homens bons
precisamos estar juntos
e seremos fortes como os juncos
meu amado irmão

sejamos humildes
escrevemos a minúsculas grandes palavras pequenas limpas como beijos na testa

a noite fartou-se de mim e mandou-me  deitar
e até os cães estranharam a minha presença
e a noite cansada dorme

vejo-te pequeno nas palavras bonitas que dizes
como se não fizesse mal ser pequeno nem fizesse falta dizer grande coisa

e imagino como seria deitar-me a teu lado
na pequenez bonita dos dias grandes
nas vidas curtas
e
já não preciso de te ver grande apenas assim
tu, sendo tu, eu igual a mim

irmão amado



quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

O nascer do Sol

Nada vai ocorrer se ficar presa na areia sem me mexer.
As músicas do Azambujo dizem coisas de mim, porque são musicas que dizem coisas de toda gente. De momento servem para reafirmar a minha vontade de não ficar presa na areia e caminhar, finalmente, na jovialidade dos dias loiros, grisalhos ou verdes. Posso voltar a usar as palavras como quiser, sem medo e elevá-las leves, sem queixume, sem medo...
A Luísa diz que "Todo o poeta ou escritor/Todo o actor ou escultor/Sonha um dia amar assim/Sonha ter alguém para si". E eu volto ao princípio e aos meus princípios sem ser um regresso a qualquer ponto, mas antes a lembrança dos meus próprios enunciados: "sempre fiz tudo por amor". Não posso continuar esta estrada se não voltar a pôr amor na bagagem, untar com ele as botas de caminhada, proteger a pele com ele,pô-lo nas mãos, na enxada...
Amanhã, vou de novo olhar de frente para o caminho, fazer o que tiver que fazer, não fazer nada por fazer e recordar que é por amor.
Quando as folhas caírem eu ainda estarei lá e que seja o amor que me ajude a persistir de pé, em pé e a pé.
  Lúcia Cunha