quinta-feira, 13 de outubro de 2016

E, quando escutas em silêncio, a quem importas?



Silêncio. 
Escuto silêncio. 
Vês, ninguém chama o meu nome, silenciaram-se as vozes, não oiço nem as que chamam nem as que queimam. O mundo não se preocupa com o meu respirar. Para não vermos basta desligar o sol e a luz apagar, ou então desfocar.
Porque será tão difícil acreditar?
O equilíbrio tende para entropia? Não é uma questão de contrariar o destino, não é uma questão de lutar e contrariar… talvez a solução seja criar! Sim, criar no âmago a flor e a força.
A flor e a força.
Mas como a terra, tenho que silenciar.
É tempo de silenciar, diz-me a Mãe Terra.
Anjo de luz dá-me a seiva que salva! Dá a salva que cura a planta que transforma e a água que purga!
Talvez seja isso, uma purga do fel que me foi introduzindo um diabo necrófago no corpo quando eu ainda era viva e a alma pulsava… ao menos manteve-se a chama.
Mas eu hoje sei que ninguém me olha ninguém me chama… há uma névoa de silêncio e paz.
- Ah, para onde vais a correr?
- Vou depressa para morrer!
- Ah, mas porque não páras para ver?
- Não preciso, não sei ler, vou depressa p’ra depressa cegar!
- Mas onde vais tu afinal?
- Vou depressa, foi depressa que meu amo me disse, o que ele diz é que é fundamental.
- Oh minha pobre flor porque te esforças afinal?
- Porque meu amo tem muitas no seu rosal, nem eu nem tu somos nada em especial! Se uma falhar outra irá em meu lugar…
- Não és cega afinal, só precisas escutar… se para ele há outra no teu lugar, pensa lá afinal a quem tu vais importar?
- A ninguém, minha mãe… tu és mãe de todas as flores e bem sabes as tuas dores…
-Só eu sei as minhas dores, só a mim me importam… parei e escutei.
Parei e escutei quando me doía o corpo
Parei e escutei quando o meu coração parecia que ia ficar morto
Parei e escutei quando as vísceras me doíam
Parei e escutei enquanto as vértebras pariam
Fortes foices que me calavam
Pontiagudos espinhos que se cravavam
Parei e escutei que ninguém me chamava
Parei e escutei que ninguém se importava
Parei e escutei que ninguém mais sentia
E por isso não sabia
E por isso não se importava
E no silêncio apaguei as luzes para me concentrar e procurar
Alguém que sempre há-de sentir o aço que me corta
Alguém que sempre há-de saber… alguém a quem sempre importa…
Mas, minha flor…
Não te podes esquecer
Quando souberes que és substituível
Que mais podes fazer?
Tu és una
Tu és dentro,
Quando fizeres silêncio no tempo
Escuta, quem te ouves chamar?
Escuta… quem importas, a quem sempre vais importar?
Escuta, quem ouves chamar agora mesmo
Com quem se aflige quem chama?
A quem importas?
A quem importas se não for a ti?
Lúcia






Mas...apago tudo meu amor.



Podia ser uma serpente
Irada em raiva pela dor…
Mas apago tudo meu amor,
Apago tudo e fico longe
Quero dar-te essa possibilidade
De sermos fieis pela eternidade
Quero paz, quero que me digas
Que ficamos em paz

Eu odeio gente cobarde…
Gente insegura, gente que tem medo de perder…
Oh meu Deus…
E eu pensei que sendo simples e pura
E eu pensei que só tinha que ser
E eu pensei que não era preciso…

Ai se eu soubesse que tinha que levar teatro e poesia…
Mas eu não sabia…
Ai se eu soubesse que era para ganhar…
Eu ia e ganhava,
Mas meu amor não fui preparada.
Ia de anjo vestida
Como se fosse apenas ser o que sou…
Olha sabes… nem sei porque estou triste e sentida.
Não se pode ludibriar a verdade,
O que é… é.
Cada um com a sua vontade.
Mas não se pode driblar o que é um facto
Ainda que se esqueça e que se quebre o pacto…
E se doer, vai passar…
E se sofrer, vai sarar…
Cresce sempre mais quem mais tiver que dar,
Cresce sempre mais quem tiver maior dor
É vitorioso o virtuoso, e aprende sempre mais o que já conhece o amor
Foi sempre possível, sob chama e em silêncio, serenar, acalmar… imolar.

O que importa meu amor
O que importa mesmo, mesmo, mesmo é não ser mau nem provocar dor!

Lúcia (EU)

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Uma questão de arte e artistas



Um bom artista… ora um bom artista é aquele que é genial! Não basta só ter um grupo de amigos, familiares ou meia dúzia daqueles que nos são próximos a dizer que gostaram… ao invés, a história reza que os grandes artistas eram seres mal-amados na própria terra, na própria família… às vezes acho que precisamente por serem tão geniais, tão diferentes e tão originais.
Eu gosto de me encontrar com arte que me faça aprender, que me provoque emoções… que tenha um efeito, sei lá no limiar do orgásmico-intelectual. Sim é isso, ora nem mais! Portanto um artista tem que ser, tal como um bom amante, generoso, tem que dar. Sim o artista tem que ter imenso para poder dar desinteressadamente e o ideal é que dê por gosto, e dar seja para si mesmo um ato de amor e prazer, que dar não implique esforço da sua parte e que ultrapasse para além daquilo que é uma tendência natural de si mesmo, que seja como disse antes, um ato de prazer para o artista. Mas, o ideal seria o orgasmo simultâneo: o artista dar e isso constituir um ato de prazer para si mesmo e por acaso causar nos outros também tão grande efeito prazeroso.
Qualquer um pode ser um artista desde que consiga ser genial.
Qualquer um pode ser genial desde que tenha algo para dar aos outros. Qualquer um pode dar aos outros desde que vá até ao limite de si mesmo.
Às vezes as pessoas não gostam do que temos para dar, outras vezes gostam. Mas o artista não tem por fim agradar, o artista tem por fim: Ser. O artista tem por obrigação: Ser.
O artista é um atleta das criações, ele cria e aposta na sua capacidade de criar. Ao criar ele quebra a barreira do possível… não, não o artista não é um atleta, porque o atleta pratica esforça-se acredita e então consegue colocar o corpo a fazer algo genial… mas só se ele praticou e foi capaz de ultrapassar e romper aquela barreira em que depois da exaustão é capaz de fazer um pouco mais… aquele mais que o vai fazer ganhar… mas o artista é o ser que não treina… é o ser que põe tudo o que tem no momento que cria e quando o faz ultrapassa essa barreira do possível. Ele torna possível o que não existe.
Por isso, eu gosto de me encher das sensações que o artista me provoca.
Gaudí recriou a natureza das coisas em edificações, procurou a matemática nas plantas e nas conchas e recriou Deus numa catedral.
Nadir dizia qualquer coisa como “o artista não foge da matemática, mas que ele procura a matemática no que faz”.
Será? Não tenho muito presentes as operações da matemática, confesso, mas estou ciente que o artista quando cria torna real e acessível um mundo para lá do mundo. O artista materializa o irreal e por vezes pode comunica-lo! E às vezes, ao comunicar esse mundo irreal, que é algo do seu mundo, encontra irmãos de alma!
E quantas vezes esse necessidade de criar é no fundo a necessidade de comunicar … e comunicamos para não estarmos sós.
Às vezes à criações inquietantes… o artista coloca esforço na técnica para recriar o seu mundo, mas é um esforço em que o prazer supera a angustia e a dor… o objetivo do artista é tornar imponente a sua criação e fazê-la visível, perdurável até que chegue a sua alma gémea que a irá ler, decifrar, entender…  e ainda que muitas vezes me depare com obras que me provocam na alma uma inquietação quase angustiante: “porque fez isto? O que queria dizer? Diz-me, o que sentias? Que dor tão grande te fazia sofrer? Oh se eu pudesse estar lá…” quantas vezes já me coloquei essas questões?! Aos quinze anos, quando li algo de Antero de Quental, quando li Florbela Espanca, quando li Pessoa, quando via as Covas de Altamira… o que querias dizer? Esses mamíferos imponentes pintados no teto, sinto força, sinto vigor… quero tocar as pinturas porque quase que os consigo ver, são quase reais e quase que me consigo transportar para esse momento e sentir a manada viva!
E quando vejo aquela pintura de “Saturno devorando um filho”, de Goya – sinto o asco, nojo, a inveja e o medo e mesquinhez nos olhos do monstro que quase se esconde e encolhe enquanto devora os pequenos corpos… faz-me lembrar um babuíno que se esconde num canto a comer pequenos frutos que tirou furtivamente algures.
E quando oiço, por exemplo “Devenir” de Ludovico Einaudi … sinto que sou uma borboleta que se ergue do casulo e abre as asas…
E às vezes… às vezes encontro-me com o artista, mas nem é esse o objetivo. Não me importa realmente ter conhecido em pessoa Florbela Espanca ou Fernando Pessoa, nem tenho como objetivo encetar uma relação pessoal com qualquer pintor atual de quem goste do trabalho… deles só conheço a obra, ou aquela obra que corresponde aquele momento de criação. A obra deles, não só me permite encontrar uma parte deles e dialogar esse pequeno momento em que me encontro com artista, nesse instante que leio a sua criação, como me permite encontrar com outros seres que se transportam para a mesma dimensão que eu, quando interpretamos a obra da mesma forma…  “Lembraste amor, quando ouvimos aquela musica e só nós os dois sabíamos porque nos riamos?”
Nós apropriamo-nos às vezes das obras e das criações e usámo-las para dizer outras coisas.
O artista tem que ser generoso, quando cria sabe que se sujeita ao facto de que a realidade que criou já não lhe pertence. As criações, são os filhos que nunca lhe pertencem.

Lúcia Cunha