Um dia, acabaram-se as metáforas e só me restava
manda-los para a puta que os pariu.
Um dia, já tinham sido tantas as agressões à razão
e ao respeito pela ordem natural das coisas e à própria dignidade da espécie,
que só me restava mandá-los para a puta
que os pariu.
Então estanquei-me. Sentei-me e observei o lodo:
imundo e putrefacto. Deixei de vomitar, perdi o olfato.
Vai ter que ficar para outra vez, talvez.
O tigre recolheu sozinho à guarida. Esperou pelas
forças para voltar em busca de água e comida.
Não te espantes que algum caçador sem honra e sem escrúpulos
abata assim o animal.
Onde vês, tu, proeza em tal façanha? Matar o
último animal magnifico assim nascido com dons de beleza e força apenas por
obra da natureza.
O animal deitou-se no fresco da gruta, não por medo, mas por cansaço, e
agora suspira.
Nunca ninguém lhe veio amenizar as intempéries da vida sem o querer por em
cativeiro. Nunca ninguém lhe veio sarar as doenças sem esperar que o animal
amansasse a sua natureza. Alguém entenderá que o tigre é belo assim vivo, livre
no seu instinto e na sua natureza?
Grande serias se um dia comunicasses com ele. Mas,
tu, nunca serias capaz disso. Haverias querer ensinar signos e sons abstratos
ao tigre, coisas ridículas dos homens, ao que chamam linguagem e ainda não
satisfeito com a palhaçada, haverias querer que ele ouvisse e lesse as tantas
outras coisas sábias, de homens, que não tem utilidade nenhuma, nem servem aos
tigres, nem aos homens e não passam apenas de caminhos em círculos, em torno de
egos sobre si próprios. Havias querer que o tigre pronunciasse o teu nome, as
tuas palavras e, imagina, que o tigre te admirasse! A ti. Alguma vez haveria o
Sol de adorar os homens?
Experimenta ser o tigre, e as aves, e a chuva, e simplesmente uma pedra na
humildade de pedra e na persistência de ser pedra, apenas para ser, imóvel,
persistente no propósito de pedra, haverás de ser tudo o que é preciso que
sejas se cumprires com devoção e serenidade o teu desígnio de ser. Alguma vez
viste a pedra acenar espampanante a dizer “eu sou pedra, eu sou pedra!” E às
vezes há pedras que brilham, e outras aparentemente baças e escuras que são
adoradas e outras são apenas pedradas... e têm tantas e imensas funções.
Eu, não gosto de gente ruidosa, reservo-me o direito de ser silêncio, de ser
pedra, ser tigre de ser o que eu quiser.
Não há tigres
O último tigre barão jovem e saudável
Foi abatido ontem
O espécime pesava e media
Consta que o caçador era um homenzinho rechonchudo careca
Sabemos que era do sexo masculino porque apresentava um pequeno pénis
enrugado
Por de baixo da barriga balofa
Sabe-se de fonte segura que o homenzinho nunca foi amado nem nunca conheceu
a mãe
As autoridades tentam descobrir o motivo do crime
Mas está confirmado que o homenzinho atirou e abateu o tigre
Antes de, ele próprio, morrer afogado em vómito e excremento
Lembramos agora a beleza do tigre
Façamos agora um momento de silêncio.
E no silêncio chorei a morte do tigre
Mas fui feliz por sabê-lo livre dos homens
E na memória dos Deuses
Tocamos as almas com os olhares
Eu vi-o.
E ele... ele seguiu o seu caminho e eu aprendi a seguir o meu.
Às vezes sou tigre
às vezes vento
às vezes água
O que importa é que nunca se morre quando se é de verdade.
Vejo de longe os animais
Para não lhe sentir o sofrimento.
A terra geme com febre,
Em breve entra em convulsão.
Não posso fazer nada,
A inteligência dita a retirada.
Tentar agora era ser levada.
A quantas manhãs importas, e a quantas terras e madrugadas?
Se lamento não ter salvo o mundo?
Não era obra de um só Homem,
Eram precisos mais nessa batalha.
Não estaria certa, se não fui escutada.
Ou a orelha mal preparada!
E, em vez de som, libertei apenas a trovoada...
Porque ardem em chama os rios?
E dizem eles que é coisa assim,
Se não entendo é mal que vem de mim.
Que importa se apenas for um a falar?
Ainda que ele tenha razão,
Só se muda o rumo se for uma multidão.