domingo, 12 de novembro de 2023

Palavra-flor

 Ando à procura de um ramo de palavras para te levar

Depois decidi agraciar-te apenas com uma

Seria vermelha

Seria folhosa

Seria de cheiro forte

Ofuscando a dor e a morte

Andei à procura de uma palavra cheia de cor

Uma palavra que te abraçasse e te desse um pouco de calor

Queria uma palavra simples

Uma que tivesse pétalas bonitas

Queria uma palavra-flor

Que desse tudo num ato só

Que fosse tudo o necessário

De uma vez em comoção

Sem juízo, sem comentário

Uma palavra-flor

Na jarra da solidão

 

E então chorei

Uma palavra

Que não consegui escrever

É uma palavra só

Dentro da lágrima

Por ver.

 

 

 Lúcia Cunha

 

 

 

 

Caminhos

 As coisas que eu NUNCA vou fazer

As coisas que NUNCA vou ter

As coisas que NUNCA vão ser

 

Onde estão os caminhos que fechaste?

Onde iam ter as estradas que não seguiste?

Que verdes prados regavam tuas águas nos VALES que não sulcaste?

Onde estão os destinos que recusaste?

 

Todas as coisas que queres estão feitas para TI.

Todas as coisas que te pertencem estão no caminho que trilhas.

Todos os passos que deres são os certos em direção ao sítio onde quiseres ir.

 

Este é o caminho.

Só ainda não chegaste.

 

(A ti, MEU AMOR

No dia que me procurares para me ler

Duvidando no ermo

Ou em alguma encruzilhada

Não te preocupes

É só seguires a calçada

Toda gente sabe que há sempre um caminho

Lajes Douradas

No meio das tempestades

O caminho certo é aquele que decidires seguir.)

 

Falta e Pouco

 Falta.

Tão pouco.

E o relógio é um louco

Obsessivo em fazer passar o tempo´

Falta pouco

Depressa

Não sei se respire ou morra

 

O tempo é louco

Obsessivo

Não consegue parar

E, por muito que eu corra nunca me adianto

Não o consigo acompanhar

 

Tão pouco

Tão nada

E na pressa nada feito nada é.

Por mais que organize

Por muito que corra

Ainda que priorize…

(Não sei se respire ou morra.)

Não chega, já passou.

O tempo

Obsessivo e louco.

Todo o tempo é ainda muito pouco.

E se parar de respirar para correr

Poupo tempo

E mais depressa

Chego

A morrer.


A Lúcia

sábado, 29 de abril de 2023

Onde tens estado?

 

Quando as palavras já não servem

Encosto-me ao teu ombro

(Onde tens estado?)

Quando as noites são deserto

E as palavras secam

Apareces tu onde quero ficar perto

(Onde tens Estado?)

Quando decido ter o que quero

Eis que tenho, me parece

Não sei bem e o que acontece

(Onde tens estado?)

És só sítio

Bonito

Onde hoje quero estar

… onde é que eu tenho ido?

Onde é que eu tenho estado?

Há para além destes palcos, tanta vida para atuar.

Há para além destes dias outros tantos onde desenhar.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Buracos negros

Fujo desse horizonte

Todos os dias

Sei que se o tocar a mão foge-me para lá e some-se me a alma

Não me confio ao destino

Nem me submeto à catarse

Ah não meço forças com impossível

Não me aventuro em horizontes celestes

ponto de não-retorno

 

retomo os passos seguros

retomo o folego nos pulmões

e dou passadas secas

nos passos que a vida me deixa

persistente na minha deixa

às vezes é a nossa vez de encaixar

onde há espaço

onde alguém não quer onde alguém deixa

para quem sempre está

e fica onde é preciso

 

e depois…

depois do folego embalo e apanho no voo

a onda da ocasião

reposta a força approfitta a onda do vento

toma para ti a força do momento

 

Não me aproximo de horizontes de evento

Onde se some o espaço-tempo

Não me aproximo onde me leva o pasmo-pânico

Onde paralisa a respiração

Para lá da revelação

 

É bem intrigante a mundana vida

E cada pétala da sua indignação.

 

Ah renego as desculpas

Afasto-me dessa força absorsora

A parábola do limiar, a negação,

A hélice negra do nada celestial.

A Lúcia


quinta-feira, 10 de novembro de 2022

o lugar comum

 a noite sentou-se numa cadeira

e a lua ficou indignada.

sentas-te, adormeceste no sonho do sono

e concluíste que nada é do que foi.


todos os lugares vazios

e tu estás apenas num:

o lugar comum


sentaste-te na noite

à procura não sabias bem do quê

a solidão não adormece

e tudo o que vês deu-te vazio

"havias de ler um livro!"

talvez te desse fome


"e agora homem?"

ainda há forma de resolver esse problema aí do lado

estás sempre a tempo

enquanto houver tempo

e havia tanto lugar vazio 

e havias de te sentar  apenas num:

o lugar comum


e eu vejo-te agora porta a dentro

entro em ti e incomodo

sentes que te arranho

molesta como rododendro

mas não arranho nem sou funesta

acalento

de fora e adentro

como num mar que embarcas

onde não te perdes e te abraça


adormece

adormece a dor de que toda a multidão padece

ensurdece

e ouve só o coração

funciona

não foi preciso esforço

foi só doce elaborado esboço

improviso nascer

E, é só noite uma vez, antes do amanhecer.


A Lúcia 

 





quinta-feira, 3 de novembro de 2022

gps

 ela enganou-se e escreveu um destino

como se fosse uma gralha 

uma falha na coordenada

um desvio na direcção 


enganou-se no destino

e foi a vida que vagueou

foi dar-lhe ao coração 

andou em circulos

regressou à mesma estação 


o outono dói-me

e ainda não passei pelo inverno 

chora-me a terra seca, a minha alma.

aonde me anda a memória válida?

e aquela força estival?

tão natural que me era o verão.


esses rebentos verdes

as frágeis pastagens de outono

são melancólicas, doentias 

nunca fizeram mal 

mas, não eram o melhor conduto das minhas alegrias.

ai essa imensidão de dor

turpor e melancolias.

estou farta de ti senhor

senhor surdo das minhas noites

a quem digo palavras vãs

ah fazem-me falta as carnes sãs 

e os gritos e as tropelias 

perdi essa coisa-fé 

ah tão sentido o sentido do que se é 

dai-me só whisky, esse de sabor que não sabe

só para deixar de saber

e quando voltar a noite

que vejo sem luz em todos os dias

só precisarei de beber 

ah, já não vou lá com os paleativos 

contos retóricos... papagaios discursivos

perdi-me dessa coisa-fé

esse indicador de direcção 

desliguei há tanto tempo

para me concentrar no caminho 

e agora

só me resta arrancar de novo 

e continuar 

devagarinho.


(Com amor da V/ Lúcia)